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A luta feminina por igualdade: avanços e desafios

03/10/2023

Passados dois séculos do início da organização de uma luta feminina por igualdade, conhecida como feminismo, ainda são muitos os grilhões que nos acorrentam à condição de cidadãs de segunda classe. No mercado de trabalho, por exemplo, mesmo em situações em que somos mais qualificadas, seguimos ocupando cargos inferiores e recebendo salários menores em relação aos homens.

Em 2022, dados divulgados pelo IBGE revelaram que das 89,6 milhões de brasileiras com mais de 14 anos, apenas 47,9 milhões compunham a força de trabalho do país. Ainda mais gritante que a baixa expressividade feminina no exercício de atividades remuneradas, é o salário: 21% menor do que o masculino. Outro estudo, do mesmo ano, realizado pela Associação Pacto de Promoção da Igualdade Racial, também demonstrou que, além de vencermos a desigualdade de gênero, precisamos superar a de raça. De acordo com a pesquisa, enquanto o rendimento médio de homens brancos de classe baixa é de R$ 3.574, o das mulheres negras é de R$ 1.771.

Seguindo a disparidade de gênero, mesmo em setores com prevalência feminina, como educação, saúde e serviços sociais, em que as mulheres ocupam 75% dos cargos, a discrepância de remuneração frente aos homens é de 32%. Também vale destacar que, por trás do predomínio feminino nessas áreas de atuação está o processo histórico que, embora tenha nos liberado para adentrar no mercado de trabalho, também nos estimulou a exercer papeis que já ocupávamos no âmbito doméstico, o de cuidadoras.

Claro que ao longo do tempo tivemos diversos avanços e, hoje, muitas de nós atuam em profissões antes povoadas apenas por homens. O comércio é um exemplo, com 42% de presença feminina. Contudo, o aumento da nossa participação não representa equidade: a força de trabalho feminina no segmento comercial ainda é 24% mais barata.

Todas essas estatísticas dizem uma mesma coisa: a igualdade no mercado profissional deve ser, e é, um dos grandes levantes do feminismo atual. E a superação desse obstáculo será, além de mais uma vitória do movimento e da classe, um salto civilizatório. Isto porque, segundo o estudo “Mulheres, Empresas e o Direito 2019: Uma década de Reformas”, ao garantirmos, por meio da legislação, a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, contribuímos para que o mundo seja mais justo e mais próspero.

 

ESG e mulheres no mercado de trabalho

 

A ONU lidera o movimento “Transformando o Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento Sustentável”, que propõe a adoção de medidas para a propagação de uma vida digna e igualitária por meio de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODC). Entre eles, o ODS nº 5 merece atenção especial, afinal incentiva a igualdade de gênero e sugere pontos centrais para o avanço da luta feminina, como: eliminação de todas as formas de discriminação de mulheres e meninas; o reconhecimento e a valorização do trabalho de assistência e trabalho doméstico não remunerados, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social; a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família; a adoção e fortalecimento de políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis; dentre outras.

Essas políticas são essenciais para que mulheres possam obter mais espaço, reconhecimento e remuneração no mercado de trabalho. E para aumentar nossa representatividade profissional e social, também é necessário um conjunto de aparatos legais, capazes de garantir segurança e amparo os ambientes, público e privado.

Avanços legislativos

Pensando nisso, o legislativo vem aprovando dispositivos e políticas afirmativas essenciais à proteção da mulher. Em 2022, por exemplo, tivemos uma conquista importante: a lei Emprega + Mulheres, que obriga empresas com Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) a criarem, também, comissões de prevenção e combate ao assédio sexual, com medidas que coíbam e apliquem sanções contra assediadores e acolham as vítimas.

Em uma direção semelhante, o Estado de São Paulo implementou as leis nº 17.621/2023 e nº 17.635/2023, que obrigam bares, restaurantes, casas de show e casas noturnas a tomar providências em casos de assédio, como acompanhar a vítima até a saída em segurança, expulsar o agressor do local ou chamar a polícia. Sendo assim, estabelecimentos de lazer e entretenimento de diversos portes, independente da conformidade com as regras da CIPA, devem auxiliar mulheres que se sintam importunadas ou em risco. Essa legislação também prevê a capacitação anual de colaboradores, treinando-os, para identificar e combater casos de assédio sexual e/ ou que reproduzam a cultura do estupro. Outra regra é a fixação de avisos sobre a disponibilidade do local em socorrer mulheres. Quem não cumprir as exigências dessa lei será penalizado com as sanções previstas no Código de Defesa do Consumidor, que vão de multas à cassação do alvará.

Outro ponto que vale destaque é a mensagem, assinada pelo atual Presidente da República, direcionada ao Congresso Nacional, para ratificação das Convenções nº 156 (sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores: trabalhadores com encargos de família). Temos ainda o OIT 190, considerado o primeiro tratado internacional a reconhecer o direito de todas as pessoas a um mundo de trabalho livre de violência e assédio, incluindo violência de gênero e assédio.

E, voltando à necessidade de uma remuneração equivalente entre homens e mulheres, está em trâmite uma proposta de lei de igualdade salarial, que estabelece multas às empresas que praticarem disparidades salariais entre homens e mulheres que ocupam uma mesma função.

Para finalizar, mesmo com tantas iniciativas, a mudança ainda é uma realidade distante e à mercê dos sabores da sociedade capitalista e patriarcal. Contudo, é importante ressaltar que esse sistema que oprime mulheres, também oprime e causa o adoecimento masculino, afinal, homens carregam a pressão de serem provedores, ter sucesso profissional e apresentar um embotamento emocional. Portanto, ainda que encabeçados pelo feminismo, esses levantes, até para ganhar mais força, precisam contar com a aliança e o apoio da população masculina. Apenas uma sociedade civil organizada, que compartilha lutas em prol do bem coletivo pode avançar e promover as mudanças que almejamos.

 

Por Paula Collesi

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