Publicações

Igualdade salarial: a relação entre a obrigatoriedade do registro salarial nas empresas e a LGPD

06/02/2024

A igualdade salarial entre gêneros está disposta na legislação brasileira desde 1943, ganhando status constitucional em 1988. Apesar dos esforços legislativos, na prática, se vê que o objetivo não é cumprido. De acordo com o IBGE, em pesquisa divulgada em 2023 , a remuneração feminina é 20% inferior à masculina.

Para combater a disparidade, o Governo Brasileiro, em meados de 2023, sancionou a Lei nº 14.611/2023, que prevê multa em caso de discriminação salarial e estabelece a obrigatoriedade de empresas com 100 ou mais funcionários divulgarem, a partir de 29/02/2024, por meio de relatórios públicos, cargos e salários.

A exigência de transparência salarial trouxe à tona debates em relação à conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), objeto deste breve artigo.

 

A Lei nº 14.611/2023 e a Transparência Salarial

Com o objetivo de trazer maior transparência às relações trabalhistas, a Lei torna obrigatório a fixação de critérios remuneratórios mais equilibrados, a fiscalização, disponibilização de canais de denúncia e a promoção e implemento de programas de diversidade, com capacitação de gestores e fomento à formação, ingresso, ascensão e permanência feminina no mercado de trabalho.

A legislação  é voltada a todas as empresas. Para as que possuem mais de 100 funcionários, há um plus que consiste na exigência de registrarem e divulgarem publicamente informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de homens e mulheres em altos cargos. Dentre estas informações, está o cargo e o salário contratual do funcionário, incluindo verbas trabalhistas. O objetivo é proporcionar uma visão mais clara e igualitária , contribuindo para a diminuição das disparidades salariais e para a promoção da equidade de gênero no ambiente de trabalho.

 

A LGPD e a Proteção de Dados Pessoais

Por outro lado, a LGPD estabelece princípios e diretrizes para o tratamento de dados pessoais, garantindo  a privacidade e a segurança das informações dos indivíduos. Por dados pessoais entendemos toda e qualquer informação que possa chegar a identificar uma pessoa natural. O cargo ou ocupação pode ser considerado um dado pessoal? Sim, desde que  revele o indivíduo por trás.. Seria o caso de cargos ocupados por apenas uma pessoa: ao mencioná-lo , estaríamos, automaticamente, revelando a identidade do profissional ocupante.

Apesar da própria Lei nº 14.611/2023 trazer a preocupação com a LGPD, autorizando as empresas a anonimizarem os dados, o Decreto Regulamentador (Decreto nº 11.795/2023) e Portaria MTE nº 3.714/2023 dificultam seu cumprimento, por trazerem regras específicas que facilitariam a identificação dos cargos a pessoas.

 

Conciliação ou Conflito?

A equiparação salarial entre homens e mulheres é, certamente, um objetivo legítimo e almejado. No entanto, cabe analisarmos como alcançá-la, sem colocar em risco outros direitos. É realmente necessária a divulgação pública do relatório salarial? Não bastaria  que a empresa tivesse a obrigação de elaborá-lo e de mantê-lo à disposição das autoridades públicas, sindicatos e indivíduos legitimamente interessados? Essa foi a solução adotada por muitos países europeus.

Quanto à remuneração, é necessário que seja expressa em moeda? Não bastaria indicar sua localização dentro da média aritmética das remunerações pagas ou dentro de uma faixa salarial? Certamente, há outras formas de realizar uma comparação objetiva entre salários sem infringir a privacidade dos indivíduos.

 

Conclusão

A obrigatoriedade da publicação de relatório transparência salarial e de critérios remuneratórios para empresas com mais de 100 funcionários traz à tona questões complexas relacionadas à proteção de dados pessoais, conforme preconizado pela LGPD.

É essencial encontrar um equilíbrio que assegure tanto a transparência quanto a privacidade, respeitando os direitos dos trabalhadores e assegurando a conformidade legal. A harmonização dessas leis é um desafio, mas também uma oportunidade para o desenvolvimento de práticas mais éticas e justas nas relações de trabalho.

O ideal seria a reedição da Portaria, ou, então, que fosse lançada uma nova, em conjunto com  a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), ou, ao menos, um pronunciamento, a fim de resguardar as empresas.

Sendo uma obrigação legal, as iniciativas poderiam alegar que estão simplesmente cumprindo a lei em defesa administrativa em caso de fiscalização multa da ANPD? Dentro do portal feito para lançamento das imposições, é possível adotar alguns ajustes a fim de cumprir ambas as legislações?

O período é de incertezas, mas estratégias podem ser adotadas.

Por Paula Collesi e Mariel Trabulse

Saiba mais sobre a penhora de salários e proventos de aposentadoria.

Endereço

Al. Rio Negro, 1084 Cj. A 08
Alphaville, Barueri – SP
CEP 06454-000

Receba nossos informativos

    Ovidio Collesi Advogados Associados