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Due dilligence trabalhista – como identificar e combater trabalhos análogos à escravidão

11/10/2023

O Brasil, país que se beneficiou do regime escravocrata por mais de 300 anos, ainda carrega a herança deixada por um sistema profundamente racista e desigual. Uma das provas de que essa ferida histórica nunca estancou é o número de trabalhadores que ainda vivem em condições análogas à escravidão. Apenas em 2022, segundo levantamento do Ministério do Trabalho, mais de 2.500 cidadãos foram resgatados de situações degradantes, que violam um dos princípios essenciais da Constituição Federal: a dignidade da pessoa humana. Outro dado, divulgado pelo Programa Seguro-Desemprego, também aponta para essa perpetuação da mentalidade colonial. Afinal, 45% da mão-de-obra em condições análogas à escravidão é negra.

Neste ano, os casos deflagrados nas vinícolas no Rio Grande do Sul e a abertura de investigação no Lollapaloza, demonstraram que, mesmo com a crescente demanda social por ética e responsabilidade corporativa, as empresas podem estar expostas a este risco, principalmente por falta de controle de sua cadeia produtiva.

Para corrigir esse cenário, organizações preocupadas com a sua participação no bem-estar coletivo investem em due diligence, uma prática que analisa e previne riscos nas relações trabalhistas e que vem crescendo com a adoção da Agenda ESG, principalmente no que tange o Pilar S.

 

Due diligence trabalhista

Com o processo de exame e investigação de documentos, regulamentos, normas, condutas, rotinas e cultura interna, a gestão empresarial consegue se manter em conformidade com a legislação trabalhista, garantindo, do começo ao fim da cadeia produtiva, práticas íntegras, saudáveis e sustentáveis. Sendo assim, ao mapear todo o contexto laboral de uma organização, a due diligenge não só aponta, como também elimina e corrige situações problemáticas. Entre elas, e talvez a principal, a associação com determinados fornecedores e parceiros de negócios.

Para uma marca se certificar de que está firmando contratos com empresas idôneas e que não ferem direitos humanos, é necessário uma verificação completa sobre a reputação do terceiro, em especial se existem condenações judiciais no âmbito trabalhista, bem como devem acessar a lista-suja do trabalho análogo ao de escravo.

A análise deverá se dar também em campo, pois documentalmente a empresa poderia estar de acordo, mas na prática não é isso que se vê. Portanto, a due dilligence deverá abranger visitas aos locais de trabalho, em especial nos terceirizados.

O princípio da primazia da realidade é um dos principais no Direito do Trabalho.

O monitoramento, portanto, deve ser extenso e constante.

 

Sinais de trabalho análogo à escravidão

As características da mão-de-obra análoga à escravidão, estabelecidos pelo artigo 149 do Código Penal, passam por jornada exaustiva, degradante e forçada, ausência de contrato trabalhista, falta de segurança e higiene e alojamentos ou condições insalubres. Caso observados, esses sinais devem ser reportados a um canal de denúncia seguro disponibilizado pelo Governo Federal, o Disque 100 ou por meio do site https://ipe.sit.trabalho.gov.br/.

 

  • Jornada exaustiva

Configura-se pela submissão de trabalhadores a turno extensos, na maioria das vezes sem direito a descanso nos finais de semana ou feriados. Aqui, os trabalhadores são levados a extremos, em estados de esgotamento total.

  • Trabalho forçado

Neste cenário, empregadores usam de ameaças, agressões, retenção de documentos, entre outros, para impedir as vítimas de escapar. Neste caso, os trabalhadores também podem ser mantidos em cárcere privado ou em locais remotos, proibidos de manter contato com amigos e familiares. Ou seja, sem possibilidades de pedir socorro, em uma posição de imensa vulnerabilidade.

  • Restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida

Configurada pela limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, devido a débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros.

  • Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte

Toda forma de limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento.

  • Vigilância ostensiva no local de trabalho

Refere-se a qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impossibilite de deixar local de trabalho ou alojamento.

  • Apoderamento de documentos ou objetos pessoais

Neste caso, é qualquer forma de apropriar-se de forma ilegal do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

  • Condições degradantes

Uma vez que o trabalho análogo à escravidão é uma violação à dignidade da pessoa humana. As vítimas são colocadas em situações que negam direitos básicos, como alimentação de qualidade, saneamento, alojamentos confortáveis, acesso à saúde, repouso e até à remuneração. As condições de vida e trabalho, quando em não conformidade com as leis, são uma violência contra a existência digna dos trabalhadores, enganados por falsas promessas e propostas que parecem boas oportunidades.

 

Com tantas agressões aos Direitos Humanos, é dever do corpo empresarial zelar por contratos externos e práticas internas íntegras. O trabalho análogo ao de escravo, cenário que vem crescendo no Brasil, só pode ser combatido por empresas éticas e responsáveis, que mais do que se preocupar com a própria imagem, devem entender e investir no seu papel social, impactando seu entorno de forma positiva. Para garantir a conformidade legal e combater o trabalho análogo ao de escravo, a due diligence e as práticas ESG, que incluem a responsabilidade ambiental, social e de governança, tornam-se ferramentas imprescindíveis para as empresas que buscam ser íntegras e responsáveis.

 

Por Paula Collesi

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